terça-feira, 24 de abril de 2012

O vento assovia na chuva

 

Dias seguidos de seca. Tristeza entre as plantas do jardim, estorricadas pela seca, queimadas pelo sol de outono. As folhas das samambaias espalmam-se sequiosas para receber a água que sobre elas se despeja, duas vezes por semana. No xaxim, formam-se regos por onde escorrem miniaturas de riachos. Desesperados no aspirar fundo, os cachorros magros, na rua, encostam o focinho nas guias da sarjeta. O sol bate e se firma pondo as línguas de sede para fora, andam sem direção na esperança de um fio de água das calçadas.
E assim foi por dias e dias seguidos. Após um tempo de estio, com baforadas de ar quente, seco e abafado, cai uma cortina de chuva tímida. Já repararam que é quase sempre pelas 18 horas que o tempo vira? O que faz a gente dar um imenso bocejo, uma mistura de preguiça com dor nas juntas do corpo.
Quando cheguei à janela, vi a chuva tímida no horizonte cinza, cercada de concreto. Mas, a presença da água parecia reportar ao idílio do bairro de antigamente, quase sem casas, com uma em cada esquina, descendo quatro quarteirões, um frondoso pomar dividido entre jabuticabeiras, mangueiras, pés-de-cana e bambuzais, com algum índio humilde, porque havia água fresca, limpa e doce de riacho antigo, como uma sensação misteriosa. Foi um acontecimento sagrado sem explicação que irmana o homem aos elementos da natureza com o assovio do vento na chuva tímida...
A chuva tímida demorou-se pouco. Distribuiu poucos lampejos de trovões e, satisfeita ao ver que tudo estava repleto de folhas e galhos secos, recolheu-se atrás das nuvens. E o vento continuou a assoviar pelos telhados e prédios, ligeiro e persistente, prometendo ficar pela noite adentro. O vento que assovia traz um sereno alívio no barulho das folhas batendo na janela. O ar está lavado, apesar do chão ser de asfalto, livre de fuligem e outras sujeiras que habitualmente poluem e que não sentimos porque já estamos acostumados a respirá-las. E, como uma revelação de um mistério, diante da qual nos sentimos possuídos por uma impressão estranha, quase angustiosa, de alguma coisa que ficou clandestina no passado.

Rubens Shirassu Jr.

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