quinta-feira, 19 de abril de 2012

POSTAIS DE PARIS (Fragmentos)

 

Louvre

O visível aí está
arestas-claras
frontes manifestas
ombros definidos.
porém o que me atrai
é o extraviado perfil
da Vitória de Samotrácia
os braços perdidos
da Vênus de Milo.

Rue de Longchamps

O coração se enreda
pelas rendas de sacadas
onde, rubros, sorriem
gerânios ressurretos.

Parc Montsouris

Raio raso e rente
o trem te penetra
rasgando a verde seda
que te veste a pele
alvoroçando o rosto
das rosas assustadas.

Tour Eiffel

Vertical a carcaça de metal
do dinossauro cartesiano
hipnotisa os turistas
formigas no vão das vigas.

La Seine

De alma debruçada
sobre a úmida falca
escuto o diálogo surdo
entre o cais e a corrente
o que jaz e o que se desprende.
Entre margens engessadas
na história escrita
ágrafas navegam
sem âncora de memória
as águas da vida.
Tuileries

No lombo do jardim
rápidos florescem
penachos ouro e carmim.
Ventas o verão farejando
cascos o chão socando
brotam os cavalos.
Lázaros de outros séculos
as lápides levantando
instalam solenes
— em ato oficial
e pompa a Napoleão —
a primavera animal.

Place Clichy

No umbigo do mundo
Oswald vira Pedro Álvares.
Seus olhos livres
vêem o Brasil
pela primeira vez.

Bois de Boulogne

Metais do outono:
a cúpula de chumbo
filtra gorículas
de chuva prata:
o azinhavre das árvores
cobriu-se de ferrugem;
sob o açoite do vento
a ramagem esfacela
folhas de flandre e cobre
sobre a relva bronze.

Notre-Dame

Ombros de pedra flutuam
no fluir das eras
fixados pelos arcos botantes
enquanto os instantes se infiltram
nos vitrais em primavera
a collorir os rituais
iluminados pelas velas de fé
ou pela luz da razâo:
locus do mito e do logos.

Saint-Germain-des-Prés

A homília da missa
acompanha-me à mesa
do Le Deux Magots:
Dieu est fragile puisque
l'homme est fait à son image.
Entre a igreja e o bistrô
o granito celebra antigos fregueses
místicos simbolistas
existencialistas incrédulos.
Suas vozes descarnadas
arranham-me a memória.
Mais l'homme est fragile
tal a chávena que se quebrou
entornando o chá de agora
no chão do Le Deux Magots.


Musée Rodin

Ali sob o teto azul
e o verde piso
o pensador medita
o infinito além do finito.
Seu olhar apenas roça
o contorno da forma
a emergir da matéria:
escultura incompleta
ilha cabeça do corpo
montanha submersa.

                    

Astrid Cabral
Do livro: "50 poemas escolhidos pelo autor", Edições Galo Branco, 2008, RJ

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