segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Futebol, novela e improviso à brasileira

 

Dexter, Games of Thrones, House, Monk, Breaking Bad, Downtown Abbeye são alguns exemplos de séries estrangeiras muito bem-feitas. A única série de sucesso longeva no Brasil é A Grande Família que aliás termina esse ano. Éramos a terra das novelas, o que os americanos chama de "soap opera" de reconhecimento internacional, referências no mundo como são essas séries. Não temos mais essas novelas, apesar do tremendo sucesso de avenida brasil na Argentina vivemos mais o glamour de novelas de décadas atrás. Estacionamos. E não temos mais aquele belo futebol. Seria possível relacionar o fim das boas, novelas com o fim do futebol encantador em nossas paragens?
Talvez sim. Eu li há alguns anos depoimentos, aliás queixas e resmungos, de grandes noveleiros de sempre de que suas criações, eles confessam, sofrem há um certo tempo interferência do que gosta o público, e estes grandes autores têm de abrir mão de parte de sua criação em prol de ibope. Na verdade essa "participação" popular sempre houve, desde os tempos das cartas que eram enviadas para a central de atendimento do telespectador, CAT, da rede globo, mas há décadas eram essas cartas usadas como uma usina de idEias ou sugestões para o autor, não como um norte, mas como um Conselho formando por inúmeros conselheiros do Brasil afora. Só que agora esse "Conselho" se torna cada vez mais vinculante. Se o ibope cai de um personagem, tem de mudar esse personagem, ou matá-lo ou ressuscitá-lo. Caso saia uma pesquisa numa dada rede social que tal vilão tem que cair, mesmo que o autor achasse que não era o momento: cai. Vivemos uma certa subversão, uma alteração promíscua de valores onde tudo tem que ser feito de acordo com a pesquisa do dia. Provavelmente uma preguiça de os mestres pacientemente doutrinar seus discípulos, criar a cultura da boa literatura e de que quanto mais os "discípulos" ou telespectadores entenderem que um autor tem um conhecimento e técnica e que vale a pena assimilá-la passivamente e não alterar a criação pelo bel-prazer ou achismo de ocasião. Pode não ser preguiça do mestre mas sua rendição em relação a quem tem as rédeas, os donos dos meios que estão sedentos de aguardar instantaneamente a opinião pública. Se for este o caso mesmo assim não vou expiar os bons e grandes autores de todo mal, coloco-os no mínimo como partícipes da diminuição do valor agregado da obra.

 

A grande Família – Rede Globo/Divulgação


Vivemos um binário perigoso: a opinião pública assumiu as rédeas de onde não é especialista. A vontade popular do dia decide destino de personagens e enredos de novela, o talento do autor vai sendo substituído por um desejo popular de ocasião, onde se abre mão de tecnicidade, tornando um conjunto de obras então ícone cultural do Brasil como a novela um desejo popular, aliás um resultado popular frugal, não valendo tanto mais as escolhas técnicas do autor. Isso pode ser lido como improviso. Só que não. Não como Constantin Stanislavsky, referência teatral como mestre e autor tenha concebido o termo improviso. Ele desenvolveu entre seus métodos o improviso. Eu mesmo fiz um curso curto com Stenio Garcia no ano de 2001 baseado nos ensinos de Stanislavsky, o personagem e o improviso. Qual foi o maior ensinamento que recebi de Stenio Garcia calcado no método Stanislavsky de improviso? Que até o improviso, para dar certo, ser bem sucedido, tem de ter método, tem de ter técnica. Já registro aqui que não sou ator, me imiscuí no meio para viver uma experiência única, de sentir de dentro uma das artes mais apaixonantes que é o teatro, que amo desde que fui em tenra idade apresentado ao bardo, onde ouso compartilhar a paixão da leitura do bardo em sua língua natal com Barbara Heliodora e farei isso novamente, mas ciente da minha medianidade nestas searas. Quando me apresentei com meu grupo do curso no teatro no palco da Universidade de Caxias, lotado pela repercussão da apresentação de um trabalho da lenda Stenio Garcia, naquele ano de 2001, percebi finalmente que improviso bem feito não é chute, não é a soberba de achar que você terá a sacada. Improviso bem feito é você dominar a técnica que te faz atuar bem, para chegar nesse ponto você precisou visitar uma gama de áreas do teatro de como realizar a verdade teatral, de como agir quando não se tem esse texto pré determinado e demonstrar coerência no desenrolar da história "improvisada" e acima de tudo demonstrar para o público que aquele improviso não é despido da verdade real nem de falta de técnica, muito pelo contrário. Os seriados americanos de sucesso, laureados, assim são quase todos merecidamente, são frutos de um estudo incansável de roteiristas e personagens, gente que estudou exaustivamente suas funções e chegam ao extremo da exaustão para criar. Um bom Roteiro de Mini série Norte americana, em média, é criada entre 5 a 7 anos antes, o corpo da história, com equipe que domina a gestão cultural, orçamentos e histórias roteirizadas para 8 anos que podem chegar a 10 anos ou mais, em uma demonstração de organização e previsão fantásticas. Nas nossas novelas atuais, nas nossas "soap opera" brasileiras os roteiros e grande parte das atuações tem sido perigosamente pautadas por péssimos improvisos. Quanto a longevidade, com exceção da "A Grande Família" que já se despede, não temos mais nada no prelo, para durar meia década que seja, entre novelas e séries vamos derrapando no mau improviso. Volto a ressaltar que estamos calcados em pesquisas instâncias que dificultam o bom autor e ator se preparar, dão maior espaço cada vez mais ao galã de ocasião, o melhor de todos os tempos da última semana, sem preparo, que não sabe discernir o choro cênico da lembrança de uma surra que tomou no colegial ou da desilusão amorosa juvenil, substituindo que vai roboticamente os bem preparados.

 

Débora Falabella e Adriana Esteves, Avenida Brasil – Foto: Rede Globo/Divulgação


O autor de novela de altíssimo nível é sufocado com prazos cada vez mais exíguos e com mudanças instantâneas fast food, mas de certa forma aceita o jogo, talvez tentado por polpuda remuneração somada à vaidade de ver um "trabalho seu" nos topos do chamado "horário nobre". Talvez no futebol esse improviso não cole mais, e a rendição do treinador de ocasião ao poder de escolha de quem não tem essa técnica jogue tudo também no improviso. No futebol brasileiro o improviso às vezes cola, mas quando não cola....
E Stanislavsky tentou nos mostrar que improviso sem técnica nada mais é que subcultura amorfa. Mas se nossa cultura só nos permite improvisar, então no futebol e nas novelas sejamos mais Stanislavsky, tupiniquins que seja, mas tenhamos no improviso mais técnica, mais preparo e menos rendição aos "achistas" e chutadores de plantão.

Francis Scherer Bicca

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