quinta-feira, 14 de agosto de 2014

QUALIDADE DE VIDA




Antes que os meios de transporte se tornassem rápidos (e também barulhentos e perigosos), ninguém poderia, por questões óbvias, morar longe do local de trabalho, a não ser não quisesse chegar apenas no final do expediente – isso se o cavalo fosse rápido.

Também ninguém pode afirmar, afinal, todos, por mais velhos que sejam, já nasceram sob o ronco dos motores (mesmo que fossem de antigos calhambeques), mas é praticamente certo que aquela gente vivesse bem menos estressada.

Há poucas coisas mais irritantes do que um engarrafamento. A pessoa presa dentro de um carro, cercada por outras dezenas, centenas de veículos, sob o sol escaldante do verão, sem poder fazer absolutamente nada, é a tradução perfeita do que está escrito no início deste texto. Graças ao carro, pago em suavíssimas prestações, com muito esforço, o sujeito trabalha no centro da cidade e pensa que pode dar entrada, também com suavíssimas prestações, também com muito esforço, numa casa em um bairro bem mais afastado, onde os preços são bem mais baixos.

Seria, de fato, uma solução perfeita, o ideal da sociedade de consumo: você sai do conforto da sua casa, do aconchego da sua família, entra no carro também confortável (de repente, deu para instalar um ar-condicionado, também com muito sacrifício) e chega ao trabalho bem antes do horário, pois é um carro moderno, que atinge boa velocidade, e passa o dia tranqüilo, pois sabe que, apesar de não morar perto, o tempo que vai levar para chegar em casa de carro é o mesmo que se fosse a pé para casa.

Na teoria é isso.

O problema é que as cidades, mesmo as de médio porte, não comportam mais carros. Não há mais lugar para eles, essa é que a verdade, pelo menos nesse esquema casa-trabalho distante. E a julgar pelas projeções bem otimistas da indústria automobilística, a coisa vai piorar muito.

Mas imagine agora o contrário. O sujeito mora a 20 minutos do trabalho, andando devagar, sem nenhuma pressa. Pense na tranqüilidade com que ele acorda, toma banho, pode até ir à rua comprar o pão, bater um papo na esquina e, quem sabe, até ler o jornal, inclusive todas as notinhas das colunas. Além disso, não precisa ouvir o Genílson Araújo, o “repórter aéreo” da CBN, rezando para que não tenha acontecido nenhum acidente que piore ainda mais os já quase intransitáveis caminhos que ele terá de percorrer.

No caminho a pé para o trabalho, é possível observar as pessoas, as casas, os prédios, as árvores, em fim, o caminho, descobrir algo de interessante, paquerar, enfim, valorizar o trajeto casa-trabalho, o que é impossível quando se está a 10, 20, 40 quilômetros do destino e o estresse não deixa espaço para qualquer tipo de observação, apenas a traseira do carro da frente. É a própria natureza da "alma encantadora das ruas", de que falava o cronista João do Rio no início do século 20 - mas só possível de ser observada quando a vida percorre um ritmo mais lento.

Deve ser isso o que costumam chamar de "qualidade de vida".


André Luis Mansur

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